quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Passeio... com pipoca



Do alto desse 50º andar, bastante história pra contar ! Um olhar para trás, de relance, e mundos e fundos afloram, tomando algum espaço à superfície, pelas vias da lembrança. Uma palavra, uma fragrância, uma imagem... e desenhos de um antes tomam a tela de atenção presente.

São pontas de novelos que se apresentam ao manuseio, oferecem carona, chamam pra passeio. É só permitir, dar lugar, e seguir, acompanhar os fios... que desenrolam sem esforço, com vida própria. Pintam o momento importando contos, invocando causos, eventos coloridos em tons de dentro.

Há pouco um aroma de pipoca tomou os ares, adentrou o corredor, invadiu a minha sala. De repente. Não respeitou muros, ou portas, ou trancas. Sem licença, avançou, atravessou janelas. Tomou posse do espaço. Da vizinhança, foi subindo... e se instalou. Ultrapassou, atropelou o meu perfume, atingiu meu olfato, traiu e aprisionou minha atenção. Em gesto intenso de odor, inundou o ensejo de passado. Como quem chega de longe com saudade e estende os braços, apossou-se do instante. Com prolongamentos de um ontem distante, abraçou-me, me envolveu.

Desse modo, pensamentos vêm de um quase nada, enlaçam o agora todo, tomam-no para si, paralisando atos, congelando ação vigente... momentaneamente. Gerúndio que espere ! O presente entra em pausa, estaciona... pra receber pretérito. Como se, para pensar, fosse preciso parar: pré requisito talvez relevante. Quem sabe, condição para clarear situação, aprimorar foco, melhorar luz.

É, assim também se viaja !... O aceno de pipoca com azeite assoma o olfato, acorda lembranças, desperta a memória. Faz-se bilhete de embarque, convite a passeio... oferecido por "desconhecido". É aceitar, tomar o trem e partir... a revisitar lugares, pessoas, estações antigas ! Repassar capítulos de emoções, novelas... revendo cenas de drama, romance, aventura... da janela. Fora do set, longe do palco, à cadeira confortável da distância.

Ser espectador da própria história usualmente nos brinda com perspectivas diferentes das que experimentamos como protagonistas. O tempo tende a nos agraciar com visão suavizada. É mais natural - e um belo presente - apreciar etapas passadas com mais mansidão. Um período transcorrido e alteram-se papilas, paladar !... E cones, bastonetes: células de olhar. A luz incide inusitada, expondo outros ângulos. Sabores desfilam e prazeres são degustados sem necessidade de tanto sal, com menos amargor.

Quando a gente viaja re-passando por pedaços de passado desse modo, é mais capaz de fazê-lo sem peso: já deixou alguns pacotes para trás. Quando acontece, muito provavelmente tirou-se da experiência o que ela tinha para dar... e aquilo é mesmo história.

O cheiro de pipoca com azeite reaparece mas o perfume é de vivência. E, nesta história, sem vazios, sem carências. O coração que já teve impulso de pular pela boca como milho da panela, serenou. Olha para trás, pela janela do trem que não para, sem mágoas, sem censuras, sem ressentimentos. Vive outro momento.

O passado é filme a ser recordado, arquivo a ser consultado, história para contar... tranquilamente. Assim pode até ser doce o sabor da pipoca antes salgada. Tudo tem seu onde, como e porquê. Tudo tem um espaço, seu tempo. O da vida é maior que nossas ânsias, superior à pressa dos nossos desejos.

Pipoca alguma será como aquela ! Nada pulará do mesmo modo da panela !...

Muito bom poder apreciar a vida assim !!!