terça-feira, 22 de setembro de 2015

O que vamos comemorar hoje ?



Assim começavam nossas conversas. A pergunta marcava o início de nossos encontros em seus últimos anos de vida. Eu a formulava logo depois do abraço, inaugurando nossos momentos juntos. Ele me olhava e sorria. No começo, sem dizer nada. Era uma resposta silenciosa, um aceno complacente, de aceitação reticente. Já era bom. Com o passar do tempo tornou-se ainda melhor. Ultrapassou o passivo, declarava envolvimento. O olhar já se expandia, mais brilhante, e o corpo falava também, em conjunto: havia vibração. Progrediu... até acontecer da pergunta se inverter, formulada em sentido oposto, dele para mim. Era a glória ! Assim vivemos felizes - possivelmente felizes - enquanto durou.

O que se apresentava à época não era bom. O que a fase apontava não era desejável. Mais que nunca era preciso procurar elementos de celebração para dar sentido à existência, adensá-la, conferir-lhe cor, imputar-lhe perfume. Do contrário, tudo seria comiseração. Do contrário tudo seria lástima, desalento. A etapa era de arregimentar forças, expandir possibilidades positivas, promover entusiasmo, vigor, frescor. Era fundamental encontrar apoio favorável, gerar energia, buscar alegria em poço.

E não deveria ser esse o impulso diário, o movimento rotineiro, exatamente para não sucumbir à rotina, imergir, deixar-se inundar, afogar-se no cenário cinza que tende a se formar ao redor de eventos de dissabor ?! Frequentemente - muito além do que gostaríamos - o mundo parece girar torto, ao contrário de nossos anseios. Imprescindível a-cor-dar dentro: procurar a cor do profundo interior, o incentivo, o impulso para conduzir o universo de fora.

Não se trata de fazer jogo de contente, desconsiderar o que é concreto, enganar-se, iludir-se. Ao contrário. Trata-se de agir a seu favor, em seu próprio benefício. Trata-se de evocar, pro-mover contentamento. De dissuadir a dor, conter dificuldades, não acrescer obstáculos. De abatê-los, derrubá-lós em pleno voo para dar lugar ao possível bem-estar, a alguma alegria. Aquela viável, a maior permitida pelo contexto. Não se trata de fugir, mas enfrentar com ferramentas acessíveis.

Como posicionar-se diante de fatos praticamente palpáveis, como a iminência de morte ? Como encarar ocorrências como o luto ? É preciso que se viva, é importante dar vazão ao que tem ânsia de sair... tentando não se deixar também sepultar, sucumbir. É preciso buscar internamente o que foi plantado antes: é o que fica de BOM. As lágrimas - indesejadas - são inerentes, inseparáveis do processo desejável de crescer. Vêm... e vão regar, e vão lavar, e vão levar, conduzir a outra estação: essa do semeado antes. É hora, mais que nunca, de dar-se espaço para florescer.

Quanto ao que acaba, quanto ao adeus, nada a fazer. Contudo, há passos relevantes, um movimento possível no sentido da autopreservação: o que sobrevive não pode se perder. À vista da dor que pulsa, o que se vê parece pouco. Entretanto, muitas vezes é bastante... ou o suficiente para seguir.

Depois das lágrimas deve vir o lenço. E depois do lenço a lupa, que prescruta o pequeno para torná-lo visível-mente maior. Grande o suficiente para ser o auxílio necessário à superação do sofrer, à substituição do sofrer pelo celebrar. Para ser festejo do que permanece, do que está, do que é mais forte: o amor. Esse que não se dissipa, não se esvai, não é diluído com o tempo. Pelo contrário, se concentra, contemplado como é - essencial - motor de tudo.

Ainda que não abarque o todo, ainda que por vezes enxergue muito pouco, sei que há mais do que um momento isolado me permite ver. Sei com o entender de dentro, maior que qualquer concretude. Uma força que relativiza, contemporiza e sustenta. Sinto imensa-mente, sei com o coração. Daí abrem-se janelas, entreabrem-se portas. Daí surge luz, ânimo, vigor. Daí mana energia. Daí nascem as celebrações.

Daí brotam os sorrisos, os meneios necessários, verdadeiros, indispensáveis. E avesso fica direito, e escuro aclara, e é possível mover-se. E só assim reinventar-se, experimentando momentos de plenitude: de ser feliz por nada, de ser feliz por tudo.

Quem procura acha.

O que vamos comemorar hoje ?