domingo, 20 de setembro de 2015

Nó de gravata



Coloco-me de joelhos para verter. Posiciono o corpo de maneira a manar, dar vazão de dentro, do centro, em sentido ascendente, como jorro de nascente. Coloco-me ereta, vertical, em postura de reverência, trazendo do coração à consciência o que o peito acha direito dizer. A emoção, por força de pressão, emerge, encontra via. A mente, canal, conduz o que a emoção produz, dirigindo conteúdo de profundezas. É um abrir de comportas, movimento de exposição, mostra de essências e substâncias do momento.

Estive de novo entre aquelas paredes, às voltas com seus corredores de lembranças: uma espécie de labirinto de dor. Ir até ela é um enfrentamento, um ultrapassar barreiras, um superar limitações subjetivas. São rios de memórias afetivas desgostosas de nadar. Ir até lá é parto... improdutivo, sem fruto parido, sem criança no colo, sem sorriso na face. O peito aperta, é acordado contragosto, desperta sofrido, obrigado a sentimentos que gostaria de não ter, preferiria abandonar. Sensação de desassossego, sabor de penumbra...

Ir até lá é choro seco, sentimento que invade mas não derrama, inunda sem dar-se à luz. Um nó na garganta, laço de gravata fora do lugar, incômodo, avesso, torto. Entrar lá é trajar pesar, portar peso, por passado no presente, junto ao pó. É vestir lembranças que não cabem bem, que não são meu número: que comprimem... e deprimem. Uma tortura branda, um padecimento... de assistir, concreto, o indesejado... e viver de novo o que não se vê.

Ali vivemos seis. Ali vivi muito de mim, etapas importantes. Desde a faculdade, noites de estudo e de festas. Dias de amigos e amores... até o casamento. Aqueles cômodos, que acolheram riso e lágrima, comemorações e despedidas, acomodam muita poeira... de duplo sentido. Há melancolia, um misto de tristeza e compaixão, saudade e vontade de fugir: soma difícil... de abordar e definir.

Vida, não me convoque a voltar. Permita-me também ser frágil e não ter de vencer tudo. Sou, sou capaz, faço o que for preciso. Mas o preço, invisível, é tão alto ! Vou, vou pedaço de mim... e volto sempre menor : limitações de ser do planeta coração.

Não foi simples parir estes poucos parágrafos. Os dedos deitaram sobre as teclas, correram afoitos, irrequietos... até pairar, paralisados. Coloquei-me de joelhos para verter e, hoje, a natureza me conteve. Deve haver porquê submerso, um pedido embutido no pouco. O que aquela casa acomoda acorda apenas o que gostaria que continuasse a dormir.