sexta-feira, 20 de novembro de 2015
Depende...
Ser sentado, pessoa à poltrona e... cabeça não pára: pensamento em movimento. Incorro em mais um exercício. Questiono, de repente, o que poderia dizer da poltrona que ocupo. Vamos brincar ! Por onde começar ? Constituição, aparência, história ? Pode ser por memória ou olhar, por lembrança ou inferência de sentidos. De-cor é possível declarar sobre seu interior. Que tem recheio de madeira, estofa de espuma... e é coberta de veludo. Mas é tudo ?
Não. Avancemos por propriocepção. Tato e pressão tomam a dianteira da brincadeira. Estar sobre a cadeira, em contato direto, dispara esse gatilho. A pele que a toca, vivamente estimulada, brinda com referências frescas, ao calor do contato imediato. Pernas e braços são acarinhados pela pelagem suave do tecido. Bumbum apoiado em assento informa sobre maciez e flexibilidade. Ela é segura, me sustenta: não afundo. A nuca é bem amparada. Eu, relaxada, posso classificá-la como confortável. E aí temos um critério subjetivo, impalpável, contudo importante. Ah, para leitura nada como uma Bergère !
Depois andam olhos. Nessa postura nem mesmo eles querem correr. Movem-se à direita, à esquerda, abaixo, às laterais. Diante deles asas cinzas se desenham ladeando a carne, emoldurando corpo. O que se vê é pouco diante do tamanho que se sabe, do conjunto que se conhece. É o que o campo de visão permite, então.
Imagino, imediatamente, o que me diria quem se colocasse à sua frente, em contraponto a mim. A descrição abarcaria almofada larga e espaldar alto. Encosto acolchoado, adornado de botões, com reentrâncias e saliências consequentes, a distâncias regulares. Conjunto contíguo, peças em sobreposição. Somado ao centro, dos dois lados, braços amplos, salientes, encurvados: extremidades em caracol. E, em madeira, abaixo, pés mais escuros, trabalhados em contornos curvilíneos, arremates arredondados.
E quem a retratasse de costas, à traseira, por lado oposto ? Diria-a plana, que tem só encosto. Posto que praticamente é o que se afigura dessa posição. Notada por seus lados dir-se-ia ter formas e informações diversas. E assim seguiríamos, abordando um item por múltiplos olhares. Esses dados, separados, se confrontados nos parecerão conflitantes. Se tomássemos relatos isolados não nos pareceria falar uma mesma coisa; concorda ?!
Então, qual a verdade da cadeira ? Elementar, meu caro Watson: depende de ponto de vista, de ângulo de olhar... e muda o que se está a observar. Todas as alternativas são potencialmente corretas. Essas e umas tantas mais. Divergem, negam-se umas às outras... momentaneamente, diferindo na forma de abordagem do objeto e não no objeto em si. Conclusão: a poltrona - que é única - pode ser outra, dependendo da visão.
Então, qual a verdade dessa história ? Questão de quem, quando, onde, como olha.
Verdade... da vida ?!