quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Uma janela e...



Esta semana sua janela amanheceu aberta. A segunda-feira o trouxe de volta à minha vida e sequer sei quem ele é. Não, não nos conhecemos. Não sei seu nome, sua idade, qual sua profissão. A seu respeito não tenho respostas, apenas suposições. É um mistério, revelado em forma grande, alta e larga. Pacote de pele morena-clara e cabelos castanho-escuros.

Nada conheço além de seu endereço, uma vez que tem casa diante da minha. Não, isso também é uma meia verdade: sei que mora só, que gosta de café, que boa parte de seu tempo passa diante de uma tela plana. Não é possível dizer se operando um pc ou assistindo à TV. Mas é fácil inferir sobre seu paladar, uma vez que é viável vê-lo pilotar caneca e coador. Para completar, uma garrafa térmica adorna a visão, morando próxima ao fogão. Visível via vidro, invariavelmente lá.

Lá... quando ele está. E essa é a essência do mistério. Meu vizinho vive ali... até que não mais. Desaparece, de repente. Passa períodos ausente. Às vezes, semanas, por vezes, meses. Do dia para a noite, some. Da noite para o dia, aparece. Quando já se imagina abduzido, quando já se espera uma tabuleta de aluga-se ou vende-se à janela, voilà: de volta está, coando café, falando ao telefone, sentado ao sofá.

Quantas elucubrações a seu respeito ! Impossível ser impassível, não se deixar envolver por uma aura de enigma e aventar tramas. Esta mente que vos fala, passeante, viaja em variáveis, desenhando ideias, levantando hipóteses, traçando teorias. Interrogações são elencadas dia a dia. Para onde irá, qual sua ocupação, por que o retorno em intervalos variáveis ? Será ele um viajante, um representante ? Ou será um meliante, e esse seu esconderijo ? Será ele um... fugitivo ?

Imediatamente vem-me à mente conhecido meu, casado. Não pára em parte alguma e, quando pára, não pára pra valer. Mal assenta, sai. Neste caso tem, simultaneamente, ao menos dois endereços, a chamar de residência. Isso sem contar os destinos acessórios. Passa aqui, vai acolá, sem ficar num só lugar. Lançar âncora ? Ao que parece, nem pensar !

Um dia questionei-o a respeito de sua vida nômade, sua alma de cigano: como, por quê ? Sua resposta, franca, de pronto, não chegou a responder. Afirmava, no entanto, a natureza de seu ser. Admitira ainda não saber dizer... se era cigano... ou fugitivo. Assim somei mais uma dúvida à anterior: seria alguém buscando escapar da vida ao redor ou do próprio interior ?

Incrivelmente, essa pessoa e meu vizinho fisicamente se parecem. Talvez tenham em comum mais que se possa ventilar. Quem pode afirmar ? É fato, entre tanto, que a figura presente invoca a ausente. Ante essas semelhanças, a janela diante de mim abre portas a devaneios e lembranças.

E esta mente passeia, viaja, vai lonnnnge, sem sair do lugar !...

Alguém quer embarcar ?