segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Viver estrelas
Inquestionável a necessidade de concreto. Estes pés pisam chão, movem-se à matéria, alimentam-se de comida maciça, sólida, densa. Este corpo carece de casa, teto, cuidados consistentes. O meu, o seu, o nosso. Nisso somos iguais, os mesmos... em variações de volume, quantidade. Medidas de subsistência e conforto tão relativos...e em muito ditados por pulso, força exterior.
Essas demandas, inerentes aos supostamente civilizados, imprescindíveis à sobrevivência principalmente em meios urbanos, não deveriam nos limitar. Amiúde o fazem. Para nosso sustento físico não dependemos de tanto assim. Entretanto, viventes em sociedade capitalista, somos incitados a ter, consumir, amealhar sem cessar. Estimulados a coletar, colecionar coisas, utensílios, apetrechos que nos servem... e se perdem facilmente.
Há MAIS ! Posses impalpáveis, tão mais valiosas ! Bens de BEM imensurável: voláteis de inestimável valor. Sim, intocáveis mas visíveis. Perceptíveis ao olhar, notáveis aos sentidos. Patrimônios, haveres declaráveis, não ao imposto de renda, mas em qualidade de existência, impressos em moeda de sorrisos. Rendimentos inigualáveis, superiores à quaisquer taxas financeiras... e não sujeitos à tributação.
Não são dotes, riquezas tangíveis, mas efetivas: tesouros incontestáveis. Predicados, propriedades reais. Virtudes, condições, adjetivos, atributos cultivados, conquistados... florescentes de si, em si. De ser, pessoa, humanidade. De criatura que é mais que corpo, massa, objeto. Que carece, requer substância etérea para vibrar, palpitar, ecoar... contentamento genuíno. Retumbar alegria, soar bem-estar, estampar enlevo.
São vivências-meteoros, luas, satélites... cometas. Momentos intensos... breves, fugazes, permanentes dentro da gente. Astros de energia... interior. Fatos, ensejos, história de memória para sempre. Instantes eternos a iluminar nosso caminho, guiar-nos, sustentar-nos, acendendo nossos passos. São mantimentos, medicamentos, molas... lenha, gás, gasolina: impulso, força de viver. Nutrientes d'alma, elã da existência.
Estes pés pisam chão... mas precisam do incorpóreo. Movem-se também à matéria, alimentam-se igualmente de comida maciça, sólida, densa... mas precisam do divino. Este corpo carece de casa, teto, cuidados consistentes... e sublimes. Abastece-se do celeste, aquilo além da cabeça, maior que a razão de ente pensante. Tem necessidade, reclama, roga por energia superior, maior que a possível pela compra.
Este ser quer mergulhar, nadar em si, ao redor, no outro, profunda-mente. E conhecer outros ares, recônditos escondidos... em seu próprio sítio. E enveredar outros endereços, e explorar outros mares, cavernas, entranhas... outras alturas. Apreender, beber, degustar um pouco, muito, de universo alheio. Provar ingredientes, saborear seus preparos, copiar, duplicar seus bons temperos.
Esta meNina reivindica viveeeeer ! Precisa incorporar, absorver, apreciar, por em si pelo sentir. Exige encanto simples... de meditar o estar, de contemplar o belo, contatar natureza. Da troca com entes, do vínculo com Gente, das relações de afeto, da convivência intensa... de presente.
E pensar que há quem sequer se visite !...
Saberão de céu ? Contemplarão estrelas ?
Sim, talvez amanhã.
Sim, assim de longe... como algo inatingível.