quinta-feira, 23 de maio de 2019
Rebelião diária
Não acho certo que meu corpo se levante
E eu seja obrigada a deitar o que me eleva,
A conter o que me acorda, encobrir o que me anima.
Não considero justo que o cotidiano, logo que desperto,
Faça-me adormecer às relevâncias,
Às importâncias que sustentam este ser.
Não concordo que as demandas de fora
Obriguem-me a guardar, esconder as de dentro
Em meio à lida, entre encargos, ações sem espírito...
Até que lhes possa dar palco,
Expressá-las pela arte de expor interior.
Não aceito que esperem até que cesse o cumprimento de tarefas,
Até que essas cedam-me tempo, algum espaço
Para contemplações, devaneios solitários e prosas compartidas,
Partilhando peito e ponderações de mente.
Se não reajo, diariamente,
Existência de supostos deveres superiores me assalta,
Furta de mim as flores, os perfumes, as cores
Da conjugação dos verbos singulares,
Em nome, exclusivamente, de coisas, cifras,
Substantivos de subsistência da carne,
Tornando-me sinônimo de rotina.
Se não me rebelo, diariamente,
Andaria dormente, vegetante ambulante,
Colecionando horas sem sabor, dias sem especiarias.
Se não me renovo em rebeliões silenciosas,
Povoando-me de naturezas, de poesia,
Que sem graça, que sem gosto,
Que sem alma vida seria !