quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Sem moderação



Tem fome ! É poço sem fundo, abismo negro, sem limites. Ela tem sede. Muita, constante, sem fim. Passeia os olhos nas palavras sempre ávida, faminta, sedenta, salivando diante de estantes como quem namora vitrines de confeitaria.

Tem fome ! E livros são doces. Mais, são pão. Pode abdicar do peixe, do vinho. Mas do milagre da leitura ?! Ah, isso não ! O ser que habita sua carne admite dependências. Tem carências, necessidades que suplantam as de um corpo em manutenção.

Tem fome ! As vértebras do verbo também a sustentam, fomentam outras demandas. Das massas folhadas, recheadas, absorve fundamentos de existência: palavra é sobrevivência.

Tem fome ! Palavras são glicose, textos iguarias. Que delícia o verso, que gostosa a prosa ! Saborear é verbo imperativo. Refina o paladar a ingesta atenta e regular. E o ato passa a ser puuuro prazer !

Tem fome ! Degusta as nuances das sentenças, bocado a bocado, quer em tela plana ou servidas em papel. Aprecia conteúdos variados, em embalagem para viagem, edição de bolso. É insaciável, sequiosa. Devora as linhas, nunca farta: é gulosa. Uma dose pede outra e... como é boa a embriaguez !    

Tem fome ! Ida à livraria é passeio e terapia. Um misto de dolce far nente por alamedas perfumadas, coloridas, e o primeiro contato com o analista, em algum andar das prateleiras. Saem juntos, de mãos dadas. E depois, posse ou paixão, quem é de quem ?

Tem fome ! Diante de estantes, visita títulos como quem vasculha gôndolas, percorre supermercado. Portando listas, buscando nutrientes, produtos de qualidade. É atraída também por novidades, como qualquer mortal. Assim, abastece-se. Apraz apetites da mente, satisfaz desejos, estimula a digestão mental.

Tem fome ! Produto à mão, explora páginas como quem lê bula, atenta à composição, identificando substâncias ativas, analisando indicações. Sôfrega, sorve o conteúdo das embalagens, sem temer efeitos adversos. Ocorre sempre o inverso.

Tem fome ! Aceita receitas alheias, segue os próprios palpites, pratica auto prescrição. Ingere doses variadas, regulares e concentradas de vitaminas em prosa, proteínas em versos... e artigos afins.

Tem fome ! De acordo com ofertas e demandas do momento, faz seu investimento. Aplica na bolsa, deposita em poupança, amplia os rendimentos. Ou será medicamentos ?

Tem fome... de letra, lirismo, saber. Admite, é dependente. Não dispensa o estimulante, não prescinde desse 'vício entorpecente'... que alimenta e faz crescer. 

E tem uma sugestão : consuma sem moderação !