quinta-feira, 27 de março de 2014

Asas ao germe do sonho



Eram ares de Europa. Um vento suave soprava sua saia enquanto andava. Ia, aos poucos, separando o espaço em camadas, dissipando nuvens, acordando o céu. As manhãs não acendiam incandescentes, de repente. Espreguiçavam morosas, sem pressa. Um friozinho agradável as acompanhava invariavelmente até perto de meio dia, quando o agasalho passava às mãos ou descansava sobre os ombros. O clima era um carinho.

Eram ares de Europa. O chão coberto com pó claro, quase invisível, praticamente não sujava os pés. Acostumada a carro, provava um quê de liberdade sobre calçadas de pedras brancas, petit pavê, estampadas sem a mácula densa da poeira vermelha. O centro da cidade, onde morava, convidava-a a passeios, à exploração. Saia a andar, sem pressa, notando detalhes do cenário, identificada com antiguidades. Caminhava em meio a áreas de grandes edifícios, admirando casas claras, sobrados delicadamente cuidados, desenhados num misto agradabilíssimo de modernidade e história. A arquitetura tinha aura, tinha arte.

Eram ares de Europa. As pessoas, às ruas, desfilavam, elegantes. Manifestavam, em geral, modos muito educados, agradavelmente mais formais. Vestiam-se bastante bem também, auxiliadas pelo frio. Senhoras em casacos, cores pasteis, cabelos grisalhos, em penteados e desenvoltas, com postura, sobre saltos... ainda posam para retrato, pela memória. Sim, transferira-se para a Europa... estando em terras brasileiras !

Eram ares de Europa. Inseria-se naquele pedaço contemporâneo de velho mundo falando língua diferente. A escola escolhida pelo pai para a nova etapa apresentava-a a outros sons. A língua mãe não era a pátria: o colégio era francês. Agradava tanto aos ouvidos que apaixonar-se foi fácil. Fez-se do imposto um presente.

Eram ares de Europa... e outro mundo o que adentrava. As mudanças iam longe, muito além de um remetente. Sairia da infância, conheceria a adolescência, começaria a adultecer naquela Europa... nacional. Nesse universo madurou... com germes de sonho. Viaja... antes, durante, depois de cada encontro, com lentes de degustação. Na bagagem, vai a herança: afortunada educação.

Com as malas do tempo, passo a passo, sem pressa, soma asas. Mergulhará em águas sonoras ansiadas, nadará entre correntes de outras gentes, fluirá por extensos leitos de arte. Mais um desejo terá paredes e endereço concretos. Entre telas, sabores, construções, cores, perfumes... viverá outros sonhos. Além de ouvir, mais que falar, respirará francês. Ventos soprarão suas saias... e sabe-se lá o que mais. Serão ares de Europa.