sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Papo de artista



Artistas são seres, em geral, pouco formais. Humanos nem sempre considerados muito certos, vistos como não muito normais. Frequentemente rotulados como estranhos, tendem a ser apenas menos convencionais... que a maioria dos demais.

Conversam com o mundo através do que julgam exprimir sua essência... e suprir suas carências, dando algo de si, preenchendo lacunas. Buscam voz em vias, meios, modos que expressem suas cores, produzindo imagens, figuras que falem... a quem quiser ouvir. Usam o que verte da alma e lhes aflora à mente... passando pelo que sentem. Invariavelmente atravessando coração... como via imperativa, condição si ne qua non.

Podem não conseguir sustentar-se com a arte, mas sustentam-se nela. Podem não viver da arte... mas não vivem sem ela. São entes que encontram motivação e satisfação para fazer... no simples ato de criar. O pagamento indispensável vem sem moeda palpável. Acontece enquanto concebem, durante o processo. E parindo, e dando à luz. Assim sendo um tanto insanos ante outros olhos humanos.

Comunicam-se, debatem fatos, respondem aos estímulos todos por vertentes da emoção. Criam... contando seus segredos. Veladamente tratam de si, cuidam do alheio: do que os cerca... e do distante. Fazem de si seus doutores, terapeutas, proseando com presente, revisitando passado, ideando futuro. Versando indagações, sucessos, dificuldades... em algo visível, o mais palpável possível. 

Passamos boa parte da existência procurando responder a que viemos, identificar quem somos, encontrar propósitos que expliquem, justifiquem esta viagem. A criação, para o artista, é sua academia: meio de exercício da missão. E quem pode, senão ele, validar-lhe o visto, carimbar-lhe o passaporte ? Não é a depender do que se sente que afirma uma razão ?!

Quem exerce esse ofício expande-se, multiplica-se tomando corpo no outro, incitando seu pensar, o sentir alheio. Provendo-o de estímulo, alimentando-o de emoção, ajudando-o a descobrir, encontrar... algo mais. Veste o outro no sorriso que brota de sua satisfação, na mímica que surge de sua surpresa... pela descoberta, estampada na face, sem disfarce possível. Assim vive duas vezes. Ou muito mais !

Na verdade, a vida toma corpo na emoção multiplicada. Na ação antes, durante e depois de criação. Dentro do ente no instante do insight, no vislumbrar de poder, no acesso às sementes. No minar da fonte, no manar das correntes, no correr do rio, no desaguar... ao mar. No tear dos fios, no tecer da rede, no compor dos tecidos... estampados de metáforas, figuras de linguagem, contornos,  densidades, desenhos. A vida verte em ideias, cores, coleções de perfumes, experimentos de sabores.

Ah, a sensação de estar também em mais alguém !... Que experiência simplesmente pensar... em passar por dentro, percorrer, atravessar, pousar em algum canto do outro... ainda que por instante, antes que mude de canal ! Que viagem percorrer parte de si, enveredar recônditos alheios, cursar esconderijos... que talvez nem tenha consciência de possuir !...

Artistas alimentam-se de muitas formas. O plantio já é colheita. Que aumenta... sob olhos e emoções de mais alguém. O êxtase esconde-se na possibilidade de abastecer um momento, preencher-lhe algum espaço, diminuindo vazios, oferecendo passagens. O êxtase camufla-se na mera possibilidade de nutrir um departamento faminto, algum presente carente. Reduzir ausências, recheá-lo com algum conteúdo, substância. O êxtase acontece na ação com coração, que move o artista.

Assim, papo de artista geralmente é cabeça... pra vestir a sua vida, envolver nossa emoção !