segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Rendição
Esta coluna aguardava a natureza para vingar, surgir, brotar de dentro, manar à tela. Esperava o tempo dela, sua maturidade intrínseca, atávica, de semente que procura seu espaço para aflorar. Ou seja, espontânea idade de sair de consciência à tela. Eis que hoje desagua do latente, concebida, gerada, acalentada no invisível, dormente no silêncio do coração.
E dá-se o parto, agora, a termo, sem pressão ! Sem a força pungente das situações passadas, atuadas em dupla, encenadas em ação vivamente alimentadas de sentimento. Nasce, com calma, em ensejo sereno, em capítulo conduzido por memória, ditado por mãos da mente, não editado em consequência de emoção. São notas de voltas no tempo, alcançando o pretérito, à distância, com olhar leve, à luz predominante, majoritária, da razão.
Já faz anos, é assim mesmo com histórias !... Melhor que acalmem primeiro para que, então, revisitadas, possam ser miradas por outros ângulos, mais abrangentes, potencialmente mais isentos. Assim, esta coluna se escreve, vindo do aparente nada, parecendo inesperada, abrindo as portas da lembrança, adentrando presente.
O pensamento age de modo interessante. Catapulta o insondável adormecido, conteúdo que jaz esquecido em gavetas vagas, até o agora vigente. Abre valas, coleta substâncias de poços profundos, sem licença, alimentando momentos com recordações, molhando-nos com pingos daquelas águas.
Aqui, atualmente, seu som é de lago... que já teve ondas, que já correu por rios de rusgas, cursou cachoeiras acaloradas de diferenças. Que passou por praias nada mansas, atravessou foz em fases delicadas, navegou por estreitos difíceis, mormente intensos... desaguando em silêncio, separação.
Não, não foi abandono, ainda que assim possa ter sido tomado... por quem sabe mal. Conhece só o raso do estado da outra margem, pouco ouviu sobre o outro lado, ajuizando à distância ampla, desprovido de informação bilateral.
Difícil remar em oceano de carências ! Complicado dividir barco quando um dos mundos é movediço, impulsionado à força frágil da hierarquia, mando, cobranças. Fatigante ajudar a conduzir nau dirigida por prepotência... e impotência de erigir a própria vida. Desgastante nadar tantos estilos de movimento e sempre morrer na praia, afogado pela demanda do outro, sem fim. Extremamente aflitivo, penoso, ser dependente de humores e desejos oscilantes: refém do capricho alheio a todo instante. Extenuante ser obrigado a deixar o próprio remo, perder sua saúde, cedendo, assentindo a tudo, vivendo estragos emocionais. Exaustivo só ser possível navegar entoando amém !
Tentei, tentei muito, tentei bastante, por várias vias, modos diversos... até sucumbir. Até me entregar, admitir não ser hábil o bastante, capaz o suficiente, ter superado meus limites. Até não possuir mais munição, estar entregue... e delegar tarefa. E passar a batuta, a regência a outro... que, de longe, indicava saber... ordenar e julgar. Quem sabe, ser mais capaz.
Sim, saí do ringue, deixei o barco... para que outro o conduzisse. Não rezei à matriz, abortei a missão filial. Desisti. Atentei com rendição.
O tempo, que assenta conteúdos, soma perspectivas, não apaga, oculta. Cuida, trata, melhora. Com tudo, entre tanto, sempre deixa cicatriz. Aqui está.