terça-feira, 1 de setembro de 2015

Pensamento



Motorista e passageiro, motor e movido, diretor e dirigido, pensamento é elemento de cada ato, protagonista de toda cena humana. Contido ou desgovernado, consciente ou inconsciente, conduz e é conduzido. Passo a passo, produz o ser que o produz.

Através dele vive-se a dimensão plena do tempo, tudo que este pode representar, contendo universos em breves instantes. Num átimo, faz presente, idealiza futuro, visita passado. Um estalar de dedos e... tudo é possível, tudo é viável, sem deslocamentos de matéria, sem desembolso monetário, sem qualquer outro movimento... a não ser imaginar. Sem bulir, arredar pé, o infinito está ao alcance. Do espaço das estrelas ao microcosmos molecular, invisível ao olhar. Mundos dentro e fora de nós, nada é inacessível.

Basta um estímulo, basta um desejo. Um devaneio ou anseio pessoal e... foi-se, é, está lá. Uma palavra, uma imagem alheia, uma memória particular e... teletransporte ! Chegamos ao desconhecido, idealizado... e/ou trazemos o perdido, já experimentado. Construímos e destruímos momentos e ânimos num segundo de pensar. Somos e não somos, estamos e não estamos: tuuudo pode ter lugar !

Aqui, agora, no presente, entre quatro paredes, vivencio um jardim imenso. Vejo as rosas gigantes, majestosas, i-na-cre-di-tá-veis, du Palais Royal. Elas oscilam ao vento leve, dançando suas cores indizíveis. Vivo de novo o frio de fim de inverno invadindo a primavera. Assisto, outra vez, a pele arrepiar. Enquanto piso pedriscos, enveredo túneis verdes, árvores simetricamente perfiladas... alternando o olhar entre espelhos de sol e pedaços de sombra.

Aqui, agora, confortavelmente acomodada à cadeira, vou além. Estou, já, distante, num imenso salão, sentada ao chão. Boquiaberta, buscando absorver o impacto de deslumbre da visão, encantamento ante uma coleção que é memória marmórea de autores de outrora. Fenomenal ! Ahhh, do que o homem é capaz ! Em mim, neste instante, o passado do passado é patente, tão presente !... Um sorriso nasce à face. Sinto, de forma atenuada, um pouco daquele gosto, do já vivido. É saboroso também.

E basta optar, voltar e... de novo, aqui, agora, sem esforço, é permitido sonhar acordada com qualquer coisa desejada e realizá-la com riqueza de detalhes, com prazeres de sentidos. Reviver perfumes, reavivar paladares... a ponto de provocar salivação. É possível reproduzir no próprio corpo algum pretérito, tomando os caminhos das lembranças. E, em cores mais suaves, reanimar o que já aconteceu, reacender até a chama que parece que apagou.

Tudo que existiu pode receber um pouco de reprise... no campo da mente. Tudo que é palpável partiu, um dia, do nada, desse vazio cheio, desse devaneio, de uma fantasia, ficção. Assim, tudo que não é pode vir a ser, e o que não existe pode acontecer, tomar as vestes de real.

Por pensar pode-se escolher onde ir, no que embarcar... ou, então, ceder, sucumbir, permitir-se conduzir, deixar-se gerir. Planejar, preconceber, ou reviver, rememorar. Ausentar-se, em fuga momentânea de presente... ou presentear-se do deleite de sentir mais uma vez.

Ahhh, recordar... e sentir o calor crescer, o pulso acelerar !... Ahhh, imaginar... e criar o que não há, gerar, parir, começar a construir !

Ahhh, pensamento, vento difícil de domar !...
Bendito ou maldito, o que se pode fazer dele, onde pode nos levar ?