segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Que me lavem !...



Chuva e choro: de início, um certo encolhimento. Na sequência, amplidão, relaxamento. Sooooltam, descansam minha essência quente, descontraem as fibras pensadoras, da mente, e emotivas, do coração. Depois de um primeiro momento de frio, de arroubo, de arrepio, produzem estado mais ameno. Depois de um primeiro impacto, de uma certa surpresa, acenam com sereno. Alçam-me à sensação de flutuar.

Choro e chuva: águas que não assustam. Escorrem quando é preciso, têm o espaço necessário, do convite ou evocação. Corro ao encontro de cascatas, cachoeiras. Busco a chuva e o chuveiro pra dançar. Ofereço-lhes o rosto a bater, volto-lhes a outra face a apanhar... mais energia. Fecho os olhos e me deleito com as vindas do alto, vertentes de cima. Abro os braços e me divirto quando me cobrem. Fecho os olhos e aceito quando, vindas de dentro, ultrapassam as pálpebras, querem fluir.

Chuva e choro: faces de uma mesma moeda. As duas, a de fora e a de dentro, expressões de um só agente... de limpezas, de levezas. Acontece de chover... não por querer. Acontece de chorar... quando é para ser. Cabeças pouco podem quanto às águas. O peito, que as entende, as pondera. Chuva e choro fazem coro, transparências que são, reveladoras de natureza, de estado e estação.

Chove. Entrego a tez, entrego o corpo, entrego a alma. Água que escoa, depura... camada a camada. Ponderações sérias se dissipam, levadas longe. Dissabores vão ao ralo, viram reles... lembranças longínquas. Ahhh, o carinho do toque, de seu pulso, da força da queda em sequências ! Um banho de banheira dilui a carne, mescla suas células às moléculas do líquido. Cachoeiras, ao contrário, despertam, acordam a matéria, enrijecendo músculos, estimulando o coração... que poderia parar, satisfeito, pleno de irrigação.

Choro. Entrego a tez, entrego o corpo, entrego a alma. Água que escoa, purifica... camada a camada. Lágrimas limpam expelindo detritos, aclarando saudades, varrendo sofrimentos, desafogando lembranças. Liberam memórias e emoções represadas, contidas. Aliviam pressões acumuladas - não supostas e sabidas. De repente têm vazão. Dão um salto no escuro, em clarão de sentimentos. Abrem, esvaziam, liberam compartimentos de passado e de presente. Renovam recordações, revivem seres, estações e sentimentos capitais.

Chove... e me comovo. Me comovo... e choro. As duas águas me embebem e me embalam. Aclaram a visão. Abrem portas e janelas do coração. As duas águas me enlevam, me enternecem, me aquecem... interior. Melhoram meus humores. As duas águas me envolvem, me revolvem, me lavam... e me levam à luz, que invariavelmente vem... depois.