Lembra... quando não se via a hora ?! E nada havia além do instante, quando tudo simplesmente acontecia sem os lastros e as pressões do tempo ? Recorda da tenra infância, quando tudo que existia estava diante de si, sem ontem, amanhã, noções de horários, adiamentos, espera ?! Quando tudo simplesmente acontecia, sem passado, sem futuro ? Quando viver era imersão, unidade, plenitude ?! Um brinquedo, uma tampa de panela às mãos era muito, era tudo, bastava. Concentrava, absorvia, deleitava. O momento era o mundo. Lembra ?
Lembra do começo da escola, quando alguns não viam a hora de tomar as carteiras enquanto outros ansiavam por recreio, férias, feriado, momento de jogar bola ? Não ver a hora começa a mudar. Deixa o status de completude, passa a configurar aguardo, demanda, inquietação: começa a ser ansiedade. Sentimento, sensação de apreensão que passa a perfazer nossa história, entrecortar nossos sentidos, compor nossa existência, deixando o nirvana para trás.
Lembra da adolescência, era de início de namoros, quando não se via a hora do tão aguardado encontro, das enxurradas de emoções ? Não ver a hora é ardente expectativa, um torvelinho de sentimentos intensos, mistura confusa de certezas e dúvidas, passeio entre alternâncias, em montanha russa emocional. Parte do ser está energicamente presente... parte passeando por futuro, mente deslocada em anseios.
Lembra da entrada em idade adulta, de tomada de responsabilidades, quando não se via a hora de por as mãos no pagamento e exercitar a liberdade de colher os frutos da obrigação ? Não ver a hora é menos febril mas ainda veemente. A sensação de começar a ter rédeas, e algum poder, pode embevecer, e o sonhar pode também alterar seus padrões. O desejo de segurança, então, casa bem com a ambição. Parte do ser está absorvida em presente... parte passeando por futuro, mente envolvida em metas, planificações.
Seguem-se os degraus. Vem a maturidade... e não ver a hora passa a ser aspiração de um parar relativo. Um reduzir de ritmo, mutação de marchas. De dar novos sentidos, ajustar direção, desfrutar da colheita... enquanto há saúde. Parte do ser começa a passear em passado. Futuro é ideia de idílio, dádiva... e começa a encolher.
Em sítios da senescência, não ver a hora tem tons de pressa, nuances de despedida... e urgência. Desenhos da ânsia de viver... enquanto há tempo. O atual chama à atenção o que não foi, não aconteceu, o que foi perdido: o que poderia ter sido. Bastante é gasto em recordações. Muito reflete-se em lembrete do curto espaço à frente. Não ver a hora é não querer ver a hora. A ansiar que se alongue, também. Parte do ser revive passado, no pressentir íntimo de pouco futuro.
Toda era tem seu tempo, todo tempo seu presente. Não ver a hora em cada ciclo é diferente. É parte da natureza da existência que assim seja. Há, contudo, prejuízo, lástima, pobreza... em deixar esvair presente enquanto não se vê a hora que pulsa agora.
Toda etapa tem riquezas... que perdem em valor e beleza sem o não ver a hora de uma criança, quando viver é imersão, unidade, plenitude.
Lembra !