domingo, 6 de agosto de 2017

Rugas... e regras



Com quem você interage ? Não, definitivamente não me relaciono com as rugas de ninguém. Não é com os vincos de sua face que converso. Não é sua aparência que me convence do que você contém. Convém, naturalmente, dar ao retrato algum crédito. Nada há de ruim em reparar... mas, por favor, viver movido só por esse olhar ?!

Anseio, preciso, careço acertar outro alvo, mirar adiante, pra dentro dos muros. Adentrar terreno, ir além. Me inclua fora dessa panela de aparências. Se é para eu me alimentar, nada de cozinhar assim ! Conviver não é sopa; não. Pra mim, que fujo de fogão, tenho tendência a comer cru, melhor, essencial mesmo olhar miolo, prestar atenção a recheio. Apoiar-me em mínimo juízo, pautar-me em dados de mais peso. Ahh, casca se vai !... E tutano cai tão bem !

Claro que o papel do pacote impressiona, pode chamar muita atenção. Mas o que quero é conteúdo. E acho que, no fundo, você também. Ou, por acaso, alguém casa com a caixa para apartar-se do que porta o interior ? Ahhh, quanta capa lindamente adornada e vazia ! Você abre o pacote e... decepção: não é o que esperava, longe do que queria !... Um embrulho, de verdade. Propaganda enganosa. Fraude, embuste, tapeação.

Então, afasta de mim esse cálice ! Careço de substância, elementos tão pra lá da superfície. O que sustenta são sabores de cerne, essências de âmago, teores consistentes, mais profundos. A gente experimenta pelas beiradas mas degusta mesmo é o interior. Que adulto, presumivelmente maduro, consegue nadar no raso por muito tempo ? Depois de molhar os pés a gente quer mergulhar !... E se a água nem é quente demais, nem muito fria, que bommmm !... Se transparente, então, excepcional !

Não é possível, depois de crescer um pouquinho, deixar adolescência, continuar preso a aparências, perdendo as preciosidades da alma de outro alguém. Já tivemos dezoito, já procuramos par por pele macia, olhos claros, cabelos lindos, corpos esculturais. Há muuuito quero Mais ! Mantenho, carinhosamente, minha porção criança... com alguma temperança. Mas acho que até aquela dita idade teen pulei.

O tempo passa... para todos. Ou você ficou parado, congelado em embalagem do passado ? Não fermentou, aumentou volume ? Não cresceu ? Que pena ! É inexorável, carne perece. Toda casca degenera. Enquanto isso, o que também se espera é que conteúdo adoce, enobreça, tome melhor consistência. Não permanecemos os mesmos: que bom, aleluia ! Não faria sentido caminhar, caminhar... e não sair do lugar, agarrados, fixados a olhares nossos de primórdios, primitivos. Onde fica a evolução ?

Natureza é isso: transformação, impermanência, mudança constante. O que foi broto um dia toma caule, torna tronco. Antes de florescer, jovens, temos os ramos tenros, as folhas macias. Perdemos partes pelo caminho, vingando o novo. Ganhamos vincos gerando frutos, produzindo vida. Em ciclos o existir se desenrola. É só buscar para encontrar beleza e encantamento em cada fase... apesar de estragos, danos, prejuízos.

Como posso ajuizar sobre suas seivas observando-lhe apenas casca ? Talvez isso até seja possível, viável, no mundo vegetal. Mas no humano não. Não somos super heróis, munidos de visão raio x, capturando informações por transparência. Verdade que olhares revelam. E como isso é importante !... Contudo, só dão pistas, sinais. São apenas portas. Não evidenciam o que contém a casa. Sugerem se devemos ou não tentar entrar, se seria interessante conhecer o ser, se isso nos é permitido, se somos bem-vindos. Informam, entretanto, muito pouco sobre essência, características de interior. Seria lugar bom de morar ? Fazer, talvez, um lar ? Pela fachada não se pode saber.

Relações podem até partir do superfícial... mas só se mantêm no profundo. Como firmar-se no que é frágil ? Traços, silhuetas, contornos não embasam, não são alicerces confiáveis. Muito menos bons nutrientes. Conviver não tem receitas prontas. É certo, contudo, que vitrine não informa acerca da qualidade de bolo algum. Decoração ou nutriente, exterior ou interior ? O que vai ser ? Tem de tudo, só escolher ! Como faz sua opção ?

Aqui, agora, começamos pela face, passamos por panelas, passeamos olhar por mar, enveredamos várias praias. Percorremos terrenos evolutivos, naturais, até de vegetais... para contemplar uma questão: julgar ou não os livros pelas capas.

Do que queremos nos alimentar, que essências ansiamos sorver ? O que temos, nós, a oferecer ? Um dia fomos uva fresca. Tempo corre, evapora, é fumaça. Marca, enruga... e nos transforma em uvas-passa. Ao meu olhar, além de muito nutritivas, ainda mais deliciosas.

Euzinha, tenho saudade de meus idos dezoito, não. Gravidade atuou, embalagem sentiu, conteúdo apurou. E, com licença, que quem valoriza meu PIB aqui sou eu.