terça-feira, 12 de setembro de 2017

À beira-mar... no ritmo da vida



O sol não saiu estampado, vívido, alaranjado em tons escandalosos de alegria. Insinuava-se tímido, espreguiçando a claridade devagar, como se não fosse hora de levantar. Levantei eu... e saí... portando um pouco ainda da noite, nuances de cinza, do escuro, matizes da madrugada.

É cedo. A praia, solitária, é sítio de sonho, surreal. Seduz... e sempre me conquista.Tem melodia de encanto, perfume delicado de maresia... que vai ao íntimo e enleva. Abro portas, escancaro os sentidos. Aceito o convite do universo. Deixo-me penetrar, estar presente... totalmente: entregue. São poucos os preconceitos. Sou do céu, sou do ar, sou do mar, porção do meio. Fazemos casal, plural.

Pisar a areia ativa o tento. Molhar os pés desperta o corpo. Mirar o céu acorda alma. Namorar o mar alvorece o ser. Ventos varrem meus cabelos enquanto palpam a pele exposta. Delicadamente percorrem curvas, acariciam a face. A carne enceta a troca, é canal conduzindo ente a enveredar-se. Estar só, assim, é colher redor e mergulhar interior, sem dor. Plenitude !

A caminhada começa. Enquanto perambulo, cabeça vagueia. Natural-mente divaga, coletando conchas de ideias do chão, apanhando pensamentos do céu, do mar, no ar. Olhar não tem fronteiras. Despojado, está livre... e voa. Pousando aqui e ali, sem destino certo, tem todos os portos possíveis e o tempo a seu dispor. Mira, alcança, lança âncoras... e volta a decolar, sem pressa. Usa o relógio do prazer, que prescinde de ponteiros.

Marulho invita, chama ao canto. A toada das ondas faz refrão, fundo musical. Brisa sopra... alterando timbres, alternando intensidade, volume: mais atração, chamamento. A voz não se contém, reage, responde. Emerge, extravasa, quer ecoar. Alma carece fazer coro, conjunto, trovar com o vento, dar vazão ao sentimento acordado ao peito. Cantarolo alternando letras, melodias, rumores... tremulando meus humores.

Mar dança em vem e vai de vagas. Balança-se, ágil, agitado. É roda-viva, fluência, frenesi. Eleva-se, ergue-se valente e, em arroubos, rompantes, desfere sua força. Sovando solo, dispara em direção à praia, onde, aos poucos se esvai.

Assim, oceano lança tentáculos sobre a areia. Produz desenhos, expressa-se em serpenteios, ziguezagues. Imprime suas parábolas, compõe seus contos, conta seus causos. Motiva marcas a partir de seus meneios, ondulações.

Avança sobre os pés, toma as pernas. Lábios líquidos beijam-nas, espumando saliva salgada. Percorrem a pele causando calafrios, animando anseios. Por vezes sobem à cintura, enlaçam o tronco. Ahhh, sustos, carinhos súbitos, imprevistos... de frescor, sensações saborosas !

Ser aspira, sorve, inspira-se. Consciência , sensível, percebe mais. Em mar a própria criatura. Enxerga ali o humano, que começa atrevido, audacioso, potente, vigoroso, valente... e evolui... com tendência à mansidão... rematando-se suave, mais dócil, à baía.

A caminhada, mesma, é sempre outra, sem reprise. Cabeça con-versa. Muitas histórias são contadas. Em movimento, mente não para de escrever. Agrega conteúdos. Soma ao seu, conhecido, os muitos mundos revelados à atenção. Lances novos, chances a cada instante... e ser se acresce, cresce, abastecido.

Coração sempre agradece, iluminado. Sol à vista... ou não.