segunda-feira, 5 de março de 2018
Sobre o acaso e as sementes
Poetei sobre o acaso afirmando que tudo me deixa pedaço, que coleto sementes de tudo que vivo. Pode, para muitos, parecer história, bobagem... mas é essa a imagem, hoje, do meu exercício pelo passar do tempo. Uma visão sentida, das experiências vividas. Uma visão eleita entre as alternativas oferecidas pela existência até aqui. Um olhar consciente, das impressões presentes, refletidas do que foi. Noto, leio, percebo porções de seres e de momentos incorporados: estão em mim.
Talvez, no passado, tenham simplesmente entrado, sem consciência, absorvidas à revelia, sem lucidez, não por opção. Entretanto, atualmente, são produções despertas, sabidas, escolhidas, claras. Vejo, converso, assisto ao outro com o desejo de guardá-lo, ou alguns pedaços seus. Quero levá-lo, trazê-lo de algum modo comigo. E consigo. Porque não sou parede, apenas um anteparo, mais anseio e atenção. Sou decisão.
O caminhar de agora é diferente. Andava colecionando flores, colhendo frutos, buscando o pronto, colorido, já doce. Não alimentava esse pensamento perene de plantar: o intuito claro de colher do alheio para semear em mim.
Olho o outro ansiando apreender dele, aprender dele, saber dele, adicionar dele em mim. Sair somada, acrescida, ampliada com algo além do que cheguei. Com conhecer novo, percepção outra, sob ângulo diverso. Com uma sensibilidade a-cor-dada, um perfume captado, passado à pele... por dentro. Com um germe bom que brote adiante.
Talvez eu tenha tido o solo adubado pelo tempo e, mais preparado para receber e transformar, esteja mais fértil. Talvez tenha descoberto o prazer de albergar e gestar o outro em meu interior... com olhar de mais amor.
Talvez tenha atinado sobre o tamanho do presente que é agregar o diferente, o quanto pode vir a me aumentar... para melhor.
Opto por colocar no que acontece, no que me chega, inicialmente um olhar de pausa...e então de observação. Como se recebesse um pacote do qual, a princípio, exergo apenas o papel. Além há mais, algum miolo. Sob a embalagem encontra-se conteúdo, um motivo: o presente de verdade. Que pode agradar... ou não.
O inesperado tem um propósito velado ? Acidentes não são tão casuais assim ? Acasos não seriam simplesmente aleatórios, mais que meras coincidências ? O que é crença, o que é feeling, o que é gênio, juízo ?
Ahhh, quem pode definir essas fronteiras, demarcar com precisão os limites da razão e da magia ? O que é evidentemente falso, comprovadamente certo nesse terreno, nesse universo ? Parece haver tanto mais do que pode discernir nossa vã filosofia.
Nesse jogo do possível e do improvável apostamos nossas fichas com as cartas que temos... das trocas. E nada é certo antes de descerem todas à mesa. Não jogamos sós.