quarta-feira, 18 de abril de 2018

Visão



Por algum tempo deixei de enxergar. Olhava sem ver.
Constatei, atestei depois, que estes olhos de carne,
Veículos à face, são apenas apetrechos, ferramentas para mais.
Há outras portas a operar, vias, meios a acessar, janelas a abrir.

Notei que há quem nunca tenha visto,
Sequer tenha a-cor-dado,
Somente olhado...
Pairando sobre superfícies,
Sem acessar mais longe, clara-mente:
Olhar velado, cortinado pela vida.

Pois é verdade, houve dias em que eu não via.
Estive ente ambulante.
Um corpo no espaço, em ação pobre, maquinal.
Por algum tempo, um aparelho,
Instrumento acionado ao alvorecer, desligado ao deitar...
Adormecida pelo dia.

Estive alheada.
Separada estando junto.
Outra, distante, em mim.
Paralisada em movimento.
Sei, provei do tormento de apenas existir.

Ahhh, o que pode a dor !
Embaçar, alucinar... entorpecer,
Nos dissolver.
Transformar pessoa em pó,
Praticamente partículas inanimadas.

Despertei de novo.
Compreendi que o que vivi me embotara,
Cegara momentaneamente o ser.
Voltei à vida devagar,
Recuperei profundo olhar,
Reacendi a chama,
Fogo do verbo conjugado com vigor.

Ver é mais que olhar, verbo do peito.
Para enxergar é preciso usar as lentes certas:
Objetiva interior,
Grande-angular do amor.